20 de out. de 2015

CUBA - ESTADOS UNIDOS: O BLOQUEIO TEM HORAS CONTADAS




Os eventos quase se atropelam desde que começaram a andar em 17 de dezembro. Declarações surpreendentes, reuniões, diálogos risonhos, acordos, coletivas de imprensa, visitas de alto nível, embaixadas, gestos inesperadamente amistosos, denúncias contra o vento e a maré, promessas, ameaças veladas e não tão veladas, olhares enigmáticos, bênçãos papais, engodos, fatos, incógnitas.

Por Ariel Terrero* em Cubadebate

Apesar das advertências de que será um processo longo e complexo, as fendas do bloqueio econômico dos Estados Unidos a Cuba se aprofundam a olhos vistos. O desgaste se acelera. Com o risco de parecer excessivamente entusiasta, não é difícil antecipar um desenlace a curto prazo.

Tudo indica que a normalização de relações entre ambos os países levará tempo. As disputas históricas e políticos semeadas desde há mais de um século e meio não se resolvem com um aperto de mãos. Certamente. Mas o presidente Barack Obama pode recorrer a faculdades executivas para contornar obstáculos legais e reduzir substancialmente ao menos um dos conflitos em discussão: o bloqueio. E já está fazendo isso, embora com alcance limitado.

A secretária de Comércio dos Estados Unidos, Penny Pritzker, viajou a Cuba em 6 de outubro, apenas duas semanas depois que seu governo adotou disposições para afrouxar nós do bloqueio comercial e financeiro. Um primeiro pacote de medidas foi apresentado por Obama em janeiro, apenas um mês depois do anúncio simultâneo que durante um ano e meio cozinhou com o presidente cubano, Raúl Castro.

Pritzker chegou com o objetivo explícito de analisar com a contraparte cubana “o alcance e as limitações das medidas”. Seu governo eliminou em 18 de setembro os limites nos montantes de dinheiro para as remessas a Cuba, e flexibilizou restrições para o transporte, as telecomunicações e a banca. Embora mantivesse a proibição de que os norte-americanos façam turismo nessa praça do Caribe, entreabriu novas portas para as viagens.

A visita da secretária de Comércio evidencia cálculo e interesse real de mudar para uma política de aproximação. Oportunamente, o secretário de Estado John Kerry reiterou um dia antes de Pritzker chegar que “o embargo (bloqueio) deveria ser eliminado”.Os norte-americanos gostam de tatear, preparar o terreno, medir os riscos de cada passo. Pritzker disse que vinha estudar a economia cubana, para estender pontes entre as empresas de ambos os países. É a mesma escola da série de editoriais do New York Times contra a política anticubana: antecipou-se ao 17 de dezembro não por inspiração divina ou olfato jornalístico. 

O consenso contra o bloqueio cresceu em âmbitos políticos que tinham um discurso oposto ou não davam atenção ao assunto. Um novo grupo de lobby, Engage Cuba, apareceu no cenário em abril, com influentes consultores e ex-funcionários do governo. Nasceu com a missão de atuar no Congresso para “derrogar o prolongado embargo comercial e de viagens com Cuba”, disse The Wall Street Journal quando o anunciou. Missão estratégica.

O bloqueio se baseia em leis - Lei de Assistência Exterior de 1961, a de Administração das Exportações de 1979, a Torricelli de 1992 e a Helms-Burton de 1996. Portanto, “o Congresso é o único que pode dizer um dia: acabou o bloqueio a Cuba. O presidente não pode dizer isso”, reconheceu em uma entrevista a diretora geral de EUA no Ministério cubano das Relações Exteriores, Josefina Vidal. Mas advertiu que “o presidente dos EUA tem possibilidades, eu diria que ilimitadas, para esvaziar o bloqueio de seu conteúdo fundamental”.

 A tradição ortodoxa anticubana teme isso. Dois pré-candidatos presidenciais do Partido Republicano, Jeb Bush e Marcos Rubio, chegaram a ameaçar a obra de Obama se conseguirem chegar à Sala Oval. Poderão impedir o levantamento do bloqueio? Não creio.

Apesar do domínio republicano no Congresso, o piquete liderado por Ileana Ros-Lehtinen fracassou no intento de aprovar uma resolução para revogar a decisão presidencial de tirar Cuba da lista de Estados patrocinadores do terrorismo. Esse passo, que Obama deu em maio, retirou um fundamento essencial da política de bloqueio.

Dois meses depois, ambos os países restabeleceram relações diplomáticas e abriram suas respectivas embaixadas. O presidente da Câmara de Representantes (Câmara dos Deputados), o conservador John A. Boehner, chorou pelo “erro” de seu governo, e o Senado recorreu a manobras legislativas para impedir, ao menos, a nomeação formal de Jeffrey De Laurentis como embaixador em Cuba. Entretanto, um grupo de senadores republicanos se aliou nesse mesmo mês a democratas e aprovou uma emenda legislativa que daria liberdade aos estadunidenses para viajar à ilha proibida.

Análises cuidadosas, como a avaliação do pesquisador Elier Ramírez sobre as variáveis que influíram na mudança de política estadunidense, demonstram uma confluência de fatores favoráveis dentro desse país, em Cuba e no contexto internacional. Entre outros, Ramírez cita o isolamento dos EUA na América Latina por sua política anticubana. A perda de liderança no hemisfério, lamentada publicamente por Obama e Kerry, os obriga a implementar uma política construtiva em relação a Cuba, e a aceitar sua presença em todos os foros interamericanos.
 
Se a Casa Branca está apurada por recuperar o espaço perdido – o crescente investimento da China na região agrega pressão, como observa Ramírez-, terá que apressar-se para diluir um bloqueio econômico que emerge como principal eixo da solidariedade da América Latina e do Caribe com Cuba. E essa é outra razão que pode influir na celeridade de uma marcha já iniciada.


Parece difícil que a corrente mais reacionária do Congresso consiga frear Obama. Poderia retardar a hora final do bloqueio, se o tiro não lhe sair pela culatra. Outro editorial do New York Times voltou a oferecer – ou a semear? - uma pista em 3 de agosto passado, desta vez sobre um perigo que enfrentam os aspirantes presidenciais republicanos Rubio e Bush. Citou uma pesquisa em que 40 por cento dos votantes cubano-americanos declararam que apoiariam um candidato que dê continuidade à linha de Obama e favoreça a normalização de relações com Cuba, enquanto que só 26 por cento disseram que não fariam isso.

Os paladinos do bloqueio se debilitam cada vez mais. Seus oponentes têm nas mãos uma carta tão forte que até se atrevem a mostrá-la no reduto republicano de Miami. Obama e sua equipe, e outra exponente principal da exigência de mudança, Hillary Clinton, admitiram o descalabro do assédio frontal a Cuba, mas não dizem isso com ar contrito. Por trás pose diplomática, assoma o sorriso do espírito inovador. 
 
Tão fiéis ao norte-americano-centrismo como seus antecessores, concebem a normalização de relações com Cuba como um novo método para alcançar velhos objetivos. Condenam o bloquei à maior das Antilhas somente por sua ineficiência, porque “não pôde promover nossos interesses”, disse Obama em 17 de dezembro.
 
“Estes cinquenta anos demonstraram que o isolamento não funcionou. É hora de adotar um novo enfoque”, disse o presidente estadunidense naquele dia e assegurou que a política fracassada tinha estado “enraizada nas melhores intenções”.

Ainda me pergunto se o que Obama disse em uma coletiva de imprensa dois dias depois da alocução de 17 de dezembro foi um recurso diplomático para convencer e tranquilizar a oposição anticubana mais renitente e reacionária, uma gafe diplomática ou outra expressão da rotineira soberba ianque. A seu juízo, normalizar as relações com Cuba “nos brinda mais oportunidade de exercer influência sobre esse governo do que se não o fizéssemos. (…) vamos estar em melhores condições, creio, de realmente exercer alguma influência, e talvez então utilizar tanto cenouras como o porrete”.
 
Quando Hillary Clinton pediu em Miami o fim do bloqueio, argumentou que quando foi secretária de Estado compreendeu que a política de isolar Cuba estava fortalecendo o governo cubano em vez de debilita-lo e isso “prejudicava nossos esforços para restabelecer a liderança dos Estados Unidos em todo o hemisfério”. Recomendou então “a abertura positiva à influência externa, tal como fizemos de forma tão efetiva com antigo bloco soviético e em outros lugares”.
A aparente ousadia de Obama responde a um plano bem meditado. Estão dando os primeiros passos em áreas que permitiriam aos EUA exercer essa influência: telecomunicações, viagens e investimento no setor privado cubano.

E estão conseguindo algo. O novo discurso ganha créditos entre a audiência política estadunidense. Os mais astutos mudam rapidamente de lado. O ex-secretário de Comércio Carlos Gutiérrez, que copresidiu a Comissão de Assistência a uma Cuba Livre encarregada de instrumentalizar o Plano Bush do bloqueio, descobriu em julho deste ano que essa política entorpece o livre comércio e a reincorporação de Cuba em organismos creditícios internacionais. Gutiérrez renegou suas críticas iniciais a Obama e pediu a seus confrades republicanos para apoiarem o presidente.

Qual será a voz que inclinará definitivamente a balança nos Estados Unidos e até acelerará o colapso do bloqueio? Não creio que seja a de um político. Por mais que um presidente tenha tomado a iniciativa publicamente, as razões mais sólidas dentro desse país provêm do âmbito econômico. E as empresas começam a mostrar pressa. Quanto restará de vida ao bloqueio, então?

* Jornalista cubano, especializado em temas econômicos. Diretor do Instituto Internacional de Jornalismo José Mart”.

                                                   VENCEMOS!!! VENCEREMOS!!!

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