1 de ago. de 2015

"SOBRE A ECONOMIA CUBANA"

Não é incomum, em nossa sociedade, encontrar preconceitos e desinformação sobre o sistema político cubano. É evidente: a intensa campanha midiática transforma em senso comum a visão de que no país reina a repressão e o autoritarismo.

Entretanto, como todo senso comum, essa visão é tida como algo dado. As provas do que é dito são adiadas e os únicos argumentos se tornam: “um conhecido me disse que é assim” ou “todo mundo sabe que é assim”.

Há de se perguntar, quando foi apresentada sequer uma imagem de uma greve sendo reprimida, em Cuba? De sem tetos expulsos de terrenos desocupados? De estudantes sendo reprimidos ao reivindicar redução nas passagens, com balas de borracha e bombas de gás? De camponeses mortos, na luta pela terra para poder produzir e sobreviver? De camelôs sendo mortos pela polícia?

Não há necessidade de reprimir trabalhadores, estudantes, desempregados, quando não há motivos para greves, quando todos têm oportunidade para trabalhar, quando não há latifúndio, quando não há casas vazias por conta da especulação imobiliária, quando há a ampla participação política em uma sociedade em que o Estado serve aos interesses das massas.

Para explicar melhor como funciona esse sistema e no que consiste uma ampla participação política, elaboramos o presente artigo.

O Partido Comunista de Cuba e o monopartidarismo
Para falar de participação política, é preciso aclarar que a política, desde tempos remotos, é marcada pela interação de determinados setores sociais, na qual uns, historicamente, exercem seu domínio sobre a sociedade como um todo. Com base nessas interações surgem organizações e sistemas políticos que correspondem aos interesses desses setores dominantes.

A democracia em Cuba é diferente da democracia em países como o Brasil, já que os setores que exercem o poder político sobre a sociedade, assim como as estruturas e normas que o mantém, são distintos. As eleições não são obrigatórias, nem há pluripartidarismo. Este ponto é crucial e causa muita confusão até mesmo para as pessoas mais bem intencionadas. “Como é possível um país ser democrático sem haver mais do que um partido?”

Primeiramente, é preciso dizer: em Cuba não é necessário que haja mais de um partido. Essa decisão foi tomada pelo povo cubano e a forma como ocorreu não deixa dúvidas da legitimidade desse sistema de poder. Os termos gerais que definem esse sistema constam na constituição de Cuba, que, com a participação de 98% dos eleitores, foi aprovada em 1976 com 97,7% de aprovação dos votantes. Mais do que isso, o projeto da constituição havia sido discutido por mais de 6 milhões de pessoas em 1975, levando a modificações em 60 artigos, e o caráter do sistema político do país, socialista, foi reafirmado e declarado irrevogável em 2002, após marchas com mais de 9 milhões de pessoas, com a assinatura de 8.198.237 eleitores[1]. Atualmente, Cuba possui pouco mais de 11 milhões de habitantes.

Em Cuba, o Partido representa os anseios do povo. É notável o fato de que não é incomum que o Partido seja o primeiro a ser procurado pela população quando esta tem algum tipo de problema. Tamanha é a confiança da população no Partido, que este fica sobrecarregado na resolução de problemas que não correspondem a este resolver, sendo preciso explicar para a população que devem procurar os organismos do Estado, a quem corresponde a função de atendê-los, em vez do Partido.

O sistema político, em Cuba, não se baseia apenas em eleições que ocorrem de quatro em quatro anos, ou, no caso de Cuba, de cinco em cinco para nível nacional e provincial e de dois e meio em dois e meio para nível municipal. Entretanto, partiremos desse ponto.

Eleições para as Assembleias Municipais do Poder Popular
Em Cuba as eleições começam a partir de uma estrutura chamada Comitês de Defesa da Revolução (CDR). Os CDR nada mais são do que uma espécie de “conselho da quadra”. Há um por quadra e por determinadas extensões de terra nas regiões agrícolas. Esses comitês possuem um presidente e nele as pessoas se revezam fazendo a segurança da quadra durante a noite. Há um responsável por atividades culturais, outro por atividades políticas, assim como por qualquer coisa que os que fazem parte do CDR julguem necessário. Não é obrigatório pertencer ao CDR.

Em épocas de eleições essas organizações assumem um caráter especial. Cada CDR pertence a uma circunscrição, que é formada por cerca de seis até dez CDR, e pode propor candidatos para delegados para a Assembleia Municipal da circunscrição à qual pertencem. Para se candidatar, não é preciso ser do Partido, apenas contar com o apoio de seus vizinhos.

Esse é um fato marcante. De forma distinta a outros países, os candidatos não são escolhidos pelos partidos políticos e não há financiamento privado de campanhas, porque não há campanhas políticas. Uma comissão eleitoral, escolhida pelos CDR e pela gestão anterior da Assembleia Municipal, fica encarregada de disponibilizar a biografia dos candidatos em espaços públicos. É evidente que os vizinhos já saberão quem é cada candidato mesmo sem que a biografia seja disponibilizada, pois estes são da mesma quadra ou do mesmo conjunto de quadras que eles.

É evidente, porém, que os membros do Partido gozam de muito respeito e admiração. Não é incomum que um membro do partido seja eleito para as Assembleias do Poder Popular.

Eleições para as Assembleias Provinciais do Poder Popular e para a Assembleia Nacional do Poder Popular
As Assembleias Municipais do Poder Popular indicam candidatos para as Assembleias Provinciais e a Assembleia Nacional do Poder Popular, que ocorrem a cada cinco anos. A comissão eleitoral é definida pelos deputados e delegados das gestões anteriores das Assembleias Provinciais e Nacional e pelos delegados das Assembleias Municipais.

Entretanto, há um fato relevante no que se refere à Assembleia Nacional do Poder Popular. Em cada eleição, cerca de 50% dos deputados para essa assembleia são nomeados por órgãos do Estado e pela própria Assembleia Nacional, podendo essa proporção variar para um pouco menos. Ainda assim, esses deputados, que são nomeados, precisam ser aprovados pela população. Um exemplo desse tipo de processo foi a escolha do famoso cantor Sílvio Rodríguez como representante do Ministério da Cultura e deputado da Assembleia Nacional.

É interessante notar que, para ser aceito pela população, o deputado precisa ser aprovado com mais de 80% dos votos, não por um motivo legal, mas pela tradição. Já houve um caso de um deputado aprovado com cerca de 75% dos votos que deixou o cargo depois de dois meses, devido à insatisfação da população.


A Assembleia Nacional, por fim, define os membros do Conselho de Estado, que devem ser deputados. O presidente do Conselho de Estado é o presidente do país. Esse órgão cumpre as funções da Assembleia Nacional quando ela não está reunida, além de outras funções, como, por exemplo, diplomáticas.

Entretanto, as eleições são o menos importante da democracia cubana.

A democracia para além de eleições
É notável, que, em Cuba, a maior parte da população é ativa nas organizações de massas. Todo cidadão, de uma forma ou de outra, pertence a uma dessas organizações, ou mais de uma. É o caso, por exemplo, da Federação de Estudantes Universitários (FEU), da Central de Trabalhadores de Cuba (CTC) ou da Federação de Mulheres Cubanas (FMC), que é composta por mais de 4 milhões de membros, todas mulheres. Essas organizações podem propor leis e servem como órgãos consultivos.

Graças a esse tipo de organização, foram resolvidas contradições que ainda persistem em países considerados modelos. Não por acaso, a quantidade de mulheres em cargos públicos aumentou imensamente. Nas eleições propriamente ditas, a quantidade de mulheres deputadas na Assembleia Nacional aumentou de 23% para 49% de 1981 a 2013[2]. A quantidade de negros e mestiços, nessa mesma assembleia, em 2013, era de 37%[3]. Tudo isso foi conseguido sem nenhum tipo de cota, ao contrário de países como o Brasil em que as mulheres precisaram de cotas nos partidos políticos para se inserir na política e até hoje são poucas no Congresso.

Outro fato marcante é a quantidade de consultas feitas no país para aprovar as leis. Um exemplo é o Novo Código de Trabalho, que entrou em vigor na metade deste ano. Foi discutido com mais de 2.800.000 pessoas, cerca de 25% da população total do país, nos ambientes de trabalho. Note-se, não foi apenas um referendo, mas debates nos ambientes de trabalho, que levaram a modificações em 101 artigos, a inclusão de 28 novas normativas, a total reelaboração de artigos e a proposta de mais 210 mudanças[4].

Como podem ver, as eleições em Cuba não se restringem a votar em um candidato, possivelmente aquele que consiga colocar mais cavaletes nas ruas ou contrate mais pessoas para agitar suas bandeiras, de quatro em quatro anos. O país, também, é muito mais democrático no que se refere à inserção dos negros, das mulheres e outros segmentos sociais, na vida social.

Esse sistema só é possível com a participação política das massas em todas as esferas e em todos os aspectos da sociedade, seja no bairro, seja na escola, no ambiente de trabalho ou nas organizações de massas, como a de mulheres. Não por acaso, desde pequenos os cubanos são incentivados a participar de forma ativa na política. Um fato marcante são os “congressos de pioneiros”, que são os congressos de crianças que estão nos primeiros anos da escola, ocorrendo a cada 5 anos.

Em Cuba, entrar na política não é uma aspiração para enriquecer. Os delegados e deputados das Assembleias do Poder Popular continuam trabalhando onde trabalhavam antes de ser eleitos, recebendo o mesmo salário. Para falar com o delegado ou deputado professor, é preciso procurá-lo na escola, o médico, no hospital, o faxineiro, nas ruas. Não é incomum que pessoas dessas profissões tão menosprezadas em outros países sejam deputados na ilha. Nos casos em que é inviável que continuem trabalhando em seus ambientes de trabalho, pelo excesso de funções, recebem o salário médio da população.

Em Cuba, o Estado é laico e não há lobby religioso. Em Cuba, os juízes e altos funcionários públicos não provém de uma elite instruída, pois todos podem estudar, e ganham um salário como o de qualquer outro cubano. Em Cuba, os meios de comunicação são do povo e nunca uma minoria de latifundiários, banqueiros e empresários será a maioria no congresso. Eles sequer existem.

O sistema político cubano parece antidemocrático para quem o analisa de acordo com o senso comum, mas, ao analisá-lo a partir de uma forma concreta, se demonstra muito mais democrático do que qualquer outro sistema político dos países não socialistas.

Notas:
1. Constituição da República de Cuba

2. Oficina Nacional de Estadísticas, 2014 (Oficina Nacional de Estatísticas, 2014)

3. Elecciones en Cuba: datos que el mundo no debe conocer para que no pueda comparar (Eleições em Cuba: dados que o mundo não deve conhecer para que não possa comparar)
Cabe ressaltar que a soma da população negra e mestiça em cuba é de 35,9% (2012).
Oficina Nacional de Estadísticas, 2014 (Oficina Nacional de Estatísticas, 2014)

4. Gaceta Oficial Publica Nuevo Código del Trabajo (Gazeta Oficial Publica o Novo Código do Trabalho)


                                                                                 #FIMDOBLOQUEIO

Nenhum comentário:

Postar um comentário